Adulteração de bebidas

O amargo gosto da adulteração: Quando o problema e a própria bebida

Adulteração de bebidas, uma ameaça silenciosa que transforma um momento de lazer em um perigo iminente à saúde e à vida.

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A frase de Chico da Tiana ressoa com uma ironia trágica: "Nói que bebia uma caipirinha pá esquecê dos pobrema, agora o pobrema é a caipirinha". Esta singela observação captura a essência de um problema gravíssimo que vai muito além dos riscos inerentes ao consumo de álcool: a adulteração de bebidas, uma ameaça silenciosa que transforma um momento de lazer em um perigo iminente à saúde e à vida.

Os números da Organização Mundial da Saúde (OMS) são estarrecedores: anualmente, 2,6 milhões de vidas são perdidas globalmente devido ao consumo de álcool. No Brasil, essa estatística alcança a marca alarmante de 90 mil óbitos por ano. Além da mortalidade, cerca de 400 milhões de pessoas em todo o mundo enfrentam problemas diretos relacionados ao alcoolismo. Diante de tal cenário, a discussão sobre a origem e a qualidade das bebidas consumidas torna-se não apenas relevante, mas crucial.

A Urgência da Fiscalização e o Descanso Estatal

Esses dados, por si só, deveriam impulsionar esforços para a redução do consumo de álcool. No entanto, eles também amplificam a necessidade imperativa de uma fiscalização rigorosa sobre a procedência e a qualidade desses produtos. A persistência da adulteração expõe, de forma inequívoca, um descaso do Estado com a saúde e a segurança de seus cidadãos.

Não podemos nos permitir ignorar a proliferação de bebidas de origem duvidosa no mercado brasileiro. A discrepância de preços em certos estabelecimentos, onde produtos são oferecidos a valores muito abaixo dos praticados por fornecedores confiáveis, é um alerta vermelho. Essa diferença, que à primeira vista pode parecer um benefício ao consumidor, é, na realidade, um forte indício de adulteração e um risco direto à saúde pública. O barato, neste caso, pode sair caríssimo.

O Paradoxo da Recomendação Oficial

O paradoxo se aprofunda quando uma autoridade máxima da saúde, como o seu Ministro, sugere que, embora a abstinência seja o ideal, quem optar por consumir deve "procurar comprar em lugares idôneos e observar se está lacrado mesmo". Embora a intenção por trás da recomendação possa ser boa, ela, inadvertidamente, joga sobre o consumidor a responsabilidade de uma vigilância que deveria ser, primordialmente, do Estado.

É inaceitável que, frente a um cenário de mortes e problemas de saúde em larga escala, a garantia de um produto seguro recaia sobre a capacidade de inspeção e a "perspicácia" do cidadão comum. A ausência de uma fiscalização robusta e eficiente não só permite que a adulteração prospere sem grandes obstáculos, mas também erode a confiança do público em um mercado que já apresenta riscos inerentes. A fala do Ministro, nesse contexto, soa como uma piada, e de muito mau gosto.

Um Chamado à Responsabilidade

Urge que as autoridades competentes intensifiquem suas ações de fiscalização. É fundamental coibir a venda de produtos ilegais e assegurar que as bebidas alcoólicas comercializadas atendam aos mais rigorosos padrões de qualidade e segurança. A vida dos cidadãos não pode depender exclusivamente de sua capacidade de identificar o que é "idôneo" e "lacrado", mas sim da proteção efetiva e da regulamentação que o Estado tem o dever inalienável de oferecer.

A garantia de que o consumo, quando consciente, seja o menos danoso possível passa necessariamente pela erradicação da adulteração. Em última análise, como nos lembra novamente Chico da Tiana, "Piada é sabe que cê num pode confiar nem na bebida mais" (Chico da Tiana)

Ricardo Hiroshi Botelho Yoshino
Advogado
Presidente da OAB Assis (Gestão 2010/12)

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